Os casos de falência resultam muitas vezes em prejuízo para os clientes. Como atuar para aceder ao produto ou serviço que pagou.
A crise fechou empresas e deixou consumidores com contratos por cumprir. É o seu caso? Veja como reclamar se o fornecedor falir.
A pandemia foi dura para a economia e levou a que muitas empresas se vissem obrigadas a encerrar. Para os consumidores - muitos deles também em situação difícil - esta realidade pode trazer um problema. Ou seja, produtos e serviços que já foram pagos (ou que estão a ser pagos a crédito) e que já não vão receber. Como resolver a situação? Veja como reclamar se o fornecedor falir.
De acordo com o barómetro da consultora DB, só durante o mês de maio de 2021 encerraram 880 empresas em Portugal. Entre estes negócios estarão, certamente, alguns que deixaram de conseguir cumprir os contratos com os clientes.
Imagine, por exemplo, que a agência de viagens que usou para marcar as férias fechou definitivamente. Ou que o centro de estética onde andava a fazer tratamentos - já pagos - já não voltará a abrir portas. E o que fazer ao crédito que contratou para pagar os aparelhos dos seus filhos agora que a clínica dentária faliu?
O caminho a seguir vai depender bastante da situação da empresa. É necessariamente diferente para um fornecedor que encerrou mas ainda consegue reembolsar os clientes ou para um que está em processo de insolvência.
Conheça as medidas previstas na Lei e saiba o que fazer.
A forma mais fácil: negociar
É a forma mais rápida e simples de tentar resolver o assunto. Contactar a empresa e procurar solucionar o problema. Se já pagou por produtos ou serviços que ainda não recebeu, tente que lhe devolvam o dinheiro.
Como se costuma dizer, o não está sempre garantido. Se o seu fornecedor estiver numa situação difícil, deverá querer evitar problemas legais e poderá ter abertura para conversar e negociar.
Se tem um débito direto, deve cancelá-lo o mais rapidamente possível, para evitar que continuem a ser cobradas mensalidades ou outros pagamentos periódicos acordados com a empresa.
O tempo é, aliás, um fator a ter em conta na resolução deste tipo de problemas. Quanto mais demorar a agir, mais difícil será solucionar o caso sem recorrer a meios judiciais.
Fez um crédito e o fornecedor faliu: deixa de pagar?
Se contraiu um empréstimo para pagar um produto ou serviço e o fornecedor faliu não fará sentido continuar a pagar as prestações. Mas também não pode, simplesmente, deixar de as pagar.
A forma como foi feito o contrato de crédito é essencial para decidir o próximo passo.
Se o seu fornecedor teve uma intervenção direta ou indireta na preparação do contrato ou se o serviço está identificado no documento, tem argumentos para se recusar a continuar a pagar. Não está a usufruir do serviço e existem provas de que o crédito foi feito com um objetivo claro, que agora deixou de fazer sentido.
No entanto, esta intenção deve ser manifestada junto da instituição financeira, para que se chegue a um acordo. O contrato pode ser renegociado com redução do crédito, descontando-se o valor dos bens ou serviços de que não usufruiu. Outra hipótese é terminar esta obrigação, ou seja, fazer a resolução do contrato.
É importante que o processo seja tratado com todas as precauções legais e que todos os acordos fiquem devidamente registados para que, mais tarde, não venha a ser surpreendido com dívidas relativas a uma situação que achava estar resolvida.
O fornecedor está em crise: e agora?
As empresas em dificuldades podem recorrer ao Processo Especial de Revitalização (PER). Isto significa que, apesar de estarem em crise, existem hipóteses de recuperação. Neste caso, podem manter-se ativos e negociar com os credores para que seja encontrada uma solução.
Neste caso, é importante ter atenção aos prazos, já que o PER tem carácter de urgência. Isto é, tudo se passa muito rapidamente, até porque a ideia é salvar a empresa e evitar que a situação se arraste nos tribunais.
Enquanto decorre o PER ficam suspensas todas as ações para cobrança coerciva de dívidas e também não podem ser intentadas novas ações. Isso significa que não pode recorrer a meios judiciais para reaver o seu dinheiro.
O que é o PER?
Trata-se de um processo negociação especial por parte de um devedor em situação difícil ou em insolvência iminente junto dos seus credores. Desencadeia-se pela declaração de vontade, escrita do lado do devedor e de pelo menos, um dos seus credores.
Trata-se de um dos mecanismos de recuperação empresarial como, por exemplo, o Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE) mais dirigido ao contexto pandémico.
Tome Nota:
Para saber se uma empresa está em PER pode consultar gratuitamente o portal Citius. Basta preencher o formulário com os dados do seu fornecedor.
Após a publicação no Citius, os credores que não tenham estado envolvidos na declaração inicial - na origem do PER e que teve de ser subscrita por 10% dos credores -, têm 20 dias para reclamar créditos, isto é, o valor que a empresa lhes deve.
A reclamação é feita por escrito e deve ser enviada, por carta registada com aviso de receção, para o administrador judicial provisório (AJP). A identificação do AJP consta do processo que pode consultar no Citius.
Para que o seu pedido seja fundamentado, é importante que a reclamação seja acompanhada por documentos que comprovem a dívida. Tire cópias do contrato, faturas ou outras provas que sejam relevantes e envie com a carta.
O AJP vai então elaborar a lista provisória de créditos. Se não existirem impugnações a lista torna-se definitiva.
Por isso, caso não concorde com a lista inicial (por exemplo, porque a empresa lhe deve mais do que consta desse documento), tem cinco dias úteis para a impugnar. Neste caso, terá de contratar um advogado. O prazo pode ser curto para requerer apoio judiciário gratuito, por isso faça as contas e veja se compensa recorrer à impugnação.
O PER entra então numa fase decisiva. Há um prazo máximo de dois meses (que pode ser prolongado por mais um) para que a empresa e os credores possam chegar a um acordo. Este acordo é depois homologado por um juiz.
A empresa tem então de cumprir essa sentença, saldando as dívidas de acordo com o que foi combinado.
Se o PER não avançar, por falta de acordo dos credores ou do juiz, o processo termina.
E se a empresa já estiver em insolvência?
Se o fornecedor estiver em processo de insolvência continua a ser possível reclamar créditos, mas pode ser mais difícil receber.
A informação sobre o processo de insolvência também pode ser obtida através do Citius.
Neste caso, tem 30 dias a partir da publicação da sentença para reclamar o crédito, mas o processo é o mesmo. Ou seja, enviar uma carta registada com aviso de receção para o administrador de insolvência, juntando toda a documentação necessária para comprovar a dívida. Há situações em que a reclamação de créditos pode ser feita eletronicamente. Consulte o processo e veja se tal é possível.
Nos 15 dias após o fim do período de reclamação, o administrador judicial deve elaborar a lista de créditos, incluindo os credores que reclamaram e os que constem dos registos de contabilidade do devedor.
A impugnação pode ser feita nos 10 dias seguintes, recorrendo a um advogado.
Se a lista de credores for aceite, cabe ao juiz fazer a homologação e graduação de créditos. Isto é, dizer a ordem pela qual as dívidas são pagas.
Se não conseguiu reclamar os créditos no prazo previsto, pode recorrer à verificação ulterior de créditos. Esta ação implica o pagamento de custas judiciais e a contratação de um advogado. Só pode ser apresentada dentro do prazo de seis meses a contar do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência.
Como resolver conflitos de consumo
Se não quiser recorrer a vias judiciais, pode recorrer a uma forma mais simples e rápida de fazer valer os seus direitos.
Os Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo procuram, através da mediação, conciliação ou arbitragem, que consumidores e empresas possam tentar chegar a um acordo. A sua decisão é equiparada a uma sentença judicial.
Veja aqui a lista de centros autorizados.
Estes centros só podem intervir em conflitos de consumo de reduzido valor económico, ou seja, até cinco mil euros.
Fonte: cgd.pt/Site/Saldo-Positivo, 2/8/2021