Da criação do programa de arrendamento acessível à concessão de benefícios fiscais para incentivar a celebração de contratos de longa duração, saiba tudo o que vai mudar no arrendamento.
Está aprovado o pacote legislativo da habitação, com a votação final global das várias iniciativas, esta sexta-feira, na Assembleia da República. O processo arrastava-se desde maio deste ano, quando as propostas começaram a ser discutidas no Parlamento, e foi preciso esperar até ao último mês do ano para se conhecerem as novas leis, que trazem várias alterações face às propostas que estiveram originalmente em cima da mesa. Depois de avanços e recuos por parte dos socialistas, que não conseguiram reunir apoio junto da esquerda para fazer passar os diplomas que introduzem novos benefícios fiscais — e que, por isso, foram pedindo sucessivos adiamentos das votações –, o processo acabou por ficar marcado pela convergência entre PS e o PSD para aprovar as duas principais novidades.
Da criação do programa de arrendamento acessível à concessão de benefícios fiscais para incentivar a celebração de contratos de arrendamento de longa duração, passando por uma maior proteção de arrendatários idosos ou com deficiência e pela introdução de multas para penalizar o assédio de inquilinos, há várias medidas, que deverão entrar em vigor já no arranque do próximo ano, que vão alterar o funcionamento do mercado de arrendamento.
Contratos a partir de dois anos têm IRS mais baixo. Não há limite às rendas
A proposta original partiu do Governo, mas a que acabou por ser aprovada e irá vigorar é da autoria do PSD, ainda que com alterações introduzidas pelo PS. A partir do próximo ano, os senhorios que celebrem contratos de arrendamento com um prazo mínimo de dois anos terão direito a um desconto na tributação sobre os rendimentos prediais, que será tanto mais baixa quanto mais longo for o prazo dos contratos de arrendamento.
Atualmente, a taxa de IRS a aplicar sobre os rendimentos obtidos com rendas é de 28%. A partir de agora, serão introduzidos quatro novos escalões de tributação:
- Uma redução de dois pontos percentuais para os contratos de arrendamento com prazo entre dois e cinco anos— ou seja, nestes casos, a taxa será de 26% e, por cada renovação do contrato com igual duração, é aplicada nova redução de dois pontos percentuais, até ao limite de 14 pontos percentuais (pelo que a taxa mínima seria de 14%);
- Uma redução de cinco pontos percentuais, para uma taxa de 23%, para os contratos com prazo entre cinco e dez anos. Também aqui, é aplicada nova redução de cinco pontos percentuais por cada renovação do contrato, até ao limite de 14 pontos percentuais;
- Uma redução de 14 pontos percentuais, para uma taxa de 14%, para os contratos com prazo entre 10 e 20 anos;
- Uma taxa de 10% para os contratos com prazo superior a 20 anos.
Em nenhum destes casos é imposto um limite às rendas, pelo que, para ter direito a estes benefícios fiscais, os senhorios poderão praticar qualquer renda. A proposta original do Governo, que acabou por ficar pelo caminho, previa apenas dois escalões de tributação (uma taxa de 14% para contratos com prazo entre os 10 e os 20 anos e uma taxa de 10% para os contratos com prazo superior a 20 anos), para além de impor um limite às rendas praticadas para que os senhorios pudessem beneficiar destes descontos.
Por outro lado, a proposta do Governo aplicar-se-ia apenas aos novos contratos de arrendamento. O diploma que acabou por ser aprovado permite que também as renovações de contratos já existentes sejam abrangidos por esta redução da taxa.
Arrendamento acessível dá isenção de IRS
O novo programa de arrendamento acessível, de adesão voluntária, prevê a isenção de tributação dos rendimentos prediais, em sede de IRS ou de IRC, para os senhorios que arrendem casas a preços abaixo do mercado. Para aderirem ao programa, ficam sujeitos a um preço máximo de renda, que terá de ficar 20% abaixo do preço mediano por metro quadrado que é praticado na região em causa, tendo em conta os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
A título de exemplo: segundo o INE, no final de 2017, o preço mediano de uma renda no município de Lisboa era de 9,62 euros por metro quadrado, o que significa que uma casa de 50 metros quadrados teria uma renda mediana de 481 euros. Para que possa aderir ao programa de arrendamento acessível, o senhorio de uma casa com estas características terá de praticar uma renda de 384,8 euros.
Para além da regra da renda 20% abaixo do preço de mercado, a renda fica ainda sujeita a um “limite geral de preço de renda por tipologia, a definir por portaria” a aprovar pelo Governo. Serão ainda tidos em conta fatores como a área, qualidade do alojamento, certificação energética e localização do alojamento.
Ao mesmo tempo, para que possam aderir a este programa, os senhorios terão de celebrar contratos de arrendamento com um prazo mínimo de três anos, renováveis anualmente até aos cinco anos. Por seu lado, para que um inquilino possa arrendar uma casa no âmbito deste programa, a renda a pagar terá de corresponder a uma taxa de esforço entre os 10% e os 35% do rendimento médio mensal do agregado habitacional.
A oferta no âmbito deste programa pode ser de uma habitação por inteiro ou apenas de parte de uma habitação. Pode também destinar-se a residência permanente ou a residência temporária para estudantes do ensino superior, neste caso com um prazo mínimo de nove meses. Para que possam entrar no programa, os alojamentos terão ainda de cumprir “condições mínimas em matéria de segurança, salubridade e conforto, a estabelecer em portaria a aprovar” posteriormente pelo Governo.
Idosos e deficientes protegidos de despejos
As pessoas com contratos de arrendamento celebrados depois de 1990 — ou seja, já ao abrigo do Regime do Arrendamento Urbano –, com 65 ou mais anos ou grau de deficiência igual ou superior a 60%, e que vivam na mesma casa há, pelo menos, 20 anos, não poderão ser despejadas.
A medida partiu do PS, que pretendia, assim, alargar uma proteção que já existia para idosos e deficientes com contratos anteriores a 1990. As pessoas que reúnem estas condições já podiam permanecer nas suas casas sem ver os seus contratos transitar para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), em vigor desde 2012. Agora, também as pessoas idosas ou com deficiência com contratos celebrados após 1990 deixam de estar obrigadas a transitar para o NRAU, desde que residam na mesma casa há mais de 20 anos.
Significa isto que, nestes casos, os senhorios não poderão opor-se à renovação dos contratos, nem proceder à sua denúncia, avançado com despejos. As únicas exceções são a demolição ou realização de obras de remodelação profundas, que obriguem à desocupação da casa.
Foi ainda aprovada uma proteção para idosos ou deficientes que transitaram involuntariamente para o NRAU, depois e 2012, que, por desconhecimento ou lapso, não tenham invocado a proteção a que tinham direito. Nestes casos, ficam protegidos os idosos ou deficientes que vivam na mesma casa há, pelo menos, 15 anos. Só ficam abrangidos por esta proteção os inquilinos que, na data em que o seu contrato transitou para o NRAU, já tinham completado 65 anos ou já tinham visto declarada uma deficiência igual ou superior a 60%.
Cartas de despejo ficam sem efeito
Quando o pacote legislativo da habitação ainda estava a ser discutido, o Parlamento aprovou um regime extraordinário para impedir os despejos de idosos e deficientes que vivessem na mesma casa há mais de 15 anos, de forma a protegê-los durante o período em que as novas leis ainda não estivessem em vigor. Este regime iria vigorar enquanto o pacote do arrendamento não fosse aprovado e chegasse ao terreno, produzindo efeitos apenas até 31 de março de 2019.
Contudo, desde então, houve já vários inquilinos a receber cartas com avisos de despejo, que produziriam efeitos após 31 de março. Para responder a estes casos, o Parlamento aprovou agora uma disposição transitória que determina que as cartas serão consideradas nulas.
“As comunicações do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento, enviadas a arrendatários protegidos no âmbito [do regime extraordinário] ou da presente lei não produzem quaisquer efeitos”, pode ler-se no diploma aprovado.
Assédio a inquilinos dá multa aos senhorios
O assédio no arrendamento, por parte do senhorio contra o inquilino, passa a ser considerado uma contraordenação. Qualquer “comportamento indesejável do senhorio ou de quem o represente” que tenha como objetivo “perturbar ou constranger, afetar a dignidade do inquilino ou criar-lhe um ambiente intimidativo, hostil, degradante, de perigo, humilhante ou desestabilizador” passa a ser punido com uma multa de 20 euros por dia. Esta multa começa a ser aplicada a partir de um prazo de 30 dias após o senhorio ter recebido uma intimação do inquilino para corrigir este comportamento. Esta multa poderá ser agravada para 30 euros se o inquilino tiver 65 ou mais anos ou grau de deficiência igual ou superior a 60%.
Contratos passam a ter prazo mínimo de um ano
Os contratos de arrendamento para habitação vão passar a ter um prazo mínimo de um ano. Quando for celebrado um contrato de prazo inferior a este, será automaticamente aumentado para um ano. Para além disso, se não estiver estipulado no contrato algo em contrário, os contratos renovam-se automaticamente por períodos iguais e, no mínimo, por três anos. Há ainda uma outra norma que define que, se não existir um contrato escrito por uma razão que não seja imputável ao inquilino, este poderá provar que faz uso do imóvel sem oposição do senhorio, bastando, para isso, apresentar os recibos das rendas pagas por um período de seis meses. Se o inquilino conseguir provar esta situação, o contrato passa a considerar-se como sendo de duração indeterminada.
Denúncia de contratos fica mais difícil
Salvo os casos de necessidade de obras profundas ou de utilização dos imóveis para habitação própria ou para os seus filhos, os senhorios só poderão denunciar um contrato antes de terminado o prazo se tiverem informado o inquilino dessa intenção por carta registada, com aviso de receção, e depois de três atrasos no pagamento da renda.
Já no caso dos contratos de duração indeterminada, a razão de denúncia do contrato para a realização de obras profundas só será válida se, destas obras, não resultar um locado de características idênticas às que já tinha. Se for esse o caso, só poderá suspender o contrato durante o prazo das obras, após o qual o inquilino poderá regressar à casa. Neste cenário de suspensão do contrato para obras profundas, o inquilino tem o direito de ser realojado numa casa equivalente, ou seja, no mesmo concelho, numa casa de características semelhantes e com um valor de renda igual.
Para além disto, se o senhorio não apresentar uma razão específica para denunciar um contrato de duração indeterminada, é obrigado a dar um prazo de cinco anos para a saída do inquilino. Até agora, o prazo era de dois anos.
Construção para arrendamento acessível terá IVA reduzido
As obras de construção nova destinada ao mercado de arrendamento acessível irão beneficiar de uma taxa de IVA reduzida, de 6%, em vez da taxa de 23% a que estão hoje sujeitas.
A medida irá aplicar-se “independentemente do custo real da construção”, mas, para que possam beneficiar desta taxa reduzida, os imóveis deverão estar afetos ao arrendamento acessível pelo prazo mínimo de 25 anos.
Caso os imóveis sejam afetos a outra finalidade antes do final do prazo de 25 anos, “a entidade responsável pelo programa, ou, em caso de concessão, o concessionário, são responsáveis pelo pagamento ao Estado dos valores correspondentes à redução de IVA liquidado resultantes da aplicação da taxa reduzida”, define o diploma.
Indemnizações a inquilinos ficam isentas
As indemnizações recebidas pelos inquilinos por serem obrigados a abandonar a sua casa — ou porque o senhorio precisa dela para habitação própria, ou porque será alvo de obras de remodelação profundas — vão passar a estar isentas do pagamento de IRS. Atualmente, estas indemnizações são consideradas um incremento patrimonial, que é englobado com o rendimento do agregado familiar para efeitos de imposto.
Inquilinos vão ter novo Serviço de Injunção
Ao contrário do que chegou a ser proposto, o Balcão Nacional de Arrendamento (BNA) não vai ser extinto. Vai manter-se como mecanismo para tratar dos processos de despejo, enquanto os inquilinos ganham uma nova figura: o Serviço de Injunção em Matéria de Arrendamento (SIMA), com o objetivo de assegurar os direitos dos arrendatários, nomeadamente através do pagamento do valor da compensação em caso de dívida por obras (em substituição do senhorio), por exemplo.
Arrendatários podem pedir reembolso por obras
Os inquilinos vão poder avançar com obras na casa arrendada, se comunicarem essa intenção ao senhorio com uma antecedência mínima de 15 dias em relação à data de início da obra. Para isso, terão de expor as razões que lhes dão o direito de avançar com a obra, bem como apresentar o orçamento das mesmas e datas previstas de início e conclusão. No fim, terão o direito de exigir o reembolso ao senhorio, num montante correspondente ao valor das obras e respetivos juros, acrescidas de 5% destinados a despesas de administração, bem como aos custos do realojamento temporário, se tiver ocorrido. O valor do reembolso poderá ser descontado das rendas, ou o senhorio poderá fazer o pagamento direto, num prazo de não inferior a 60 dias.
Fonte: eco.sapo.pt, 21/12/2018