Apesar de já serem comuns, ainda há muitas dúvidas sobre os recibos verdes: como funcionam? Que regras têm? Saiba tudo e evite más surpresas.
Trabalhar como independente não é para qualquer um e exige muita resiliência. Além das dificuldades naturais de quem está por sua conta e risco, há ainda as leis e as normas exclusivas de uma atividade a recibos verdes: como funcionam? Que impostos pagam?
Estar bem informado sobre as regras antes de começar a passar recibos é essencial – não só porque, à partida, quer fazer tudo bem e evitar confusões, mas também porque uma atividade mal declarada pode trazer-lhe surpresas negativas do lado das Finanças ou da Segurança Social. Por outro lado, em causa também está o seu futuro financeiro, já que a carreira contributiva que fica registada é aquela que declarar em cada recibo.
Vamos, por isso, abordar algumas das áreas mais importantes dos recibos verdes: como funcionam, como são tributados e como podem ser combinados com um trabalho por conta de outrem.
RECIBOS VERDES: COMO FUNCIONAM?
Os recibos verdes são uma declaração com efeitos fiscais que atesta o recebimento de um valor em troca da prestação de um serviço. De forma simples, um recibo verde diz ao Estado que aquela não é a sua atividade permanente e aquele é um cliente pontual, pelo que o rendimento auferido não vai repetir-se de forma constante nos meses seguintes.
Este é o primeiro ponto importante sobre os recibos verdes: como funcionam como declaração pontual e irregular, são pensados sobretudo para profissionais que executam um trabalho temporário ou que exercem atividade de forma independente e sem um contrato normal de trabalho.
VANTAGENS E DESVANTAGENS DE PASSAR RECIBOS VERDES
VANTAGENS
Emitir um recibo verde em troca de uma remuneração pode ser mais vantajoso do que assinar um contrato normal de trabalho, sobretudo se lhe interessar manter a autonomia e a independência.
Esta versatilidade é boa, por exemplo, se quiser exercer a mesma atividade para várias entidades diferentes: como, na maioria das vezes, as empresas lhe exigem exclusividade, se optar por ser independente ninguém pode “prendê-lo” a lado nenhum.
Além da liberdade de ter vários clientes, os recibos verdes garantem ainda que não terá obrigações relacionadas com horário e local de trabalho, isto é, não terá uma ocupação “das nove às cinco” nem um local de trabalho fixo.
Há outra vantagem na forma como os recibos verdes funcionam: os descontos são variáveis consoante o seu rendimento. Isto quer dizer que a percentagem que entrega ao Estado não é fixa, mas antes corresponde, em proporção, à quantidade do dinheiro que ganhou.
Associada a esta vantagem está a possibilidade recente de poder escolher a frequência com que o seu desconto para o IRS é calculado: pode escolher uma atualização anual (o modelo clássico) ou trimestral, em que o valor é revisto a cada três meses. Com um contrato normal de trabalho, o IRS é calculado em função do salário que foi previamente estipulado e não se compadece com reduções pontuais.
Ainda na área dos descontos, os recibos verdes permitem-lhe escolher se quer reter o IRS na fonte ou se prefere ajustar contas com o Estado depois. Dependendo da sua capacidade de gestão, no entanto, esta liberdade tanto pode funcionar como um estabilizador como pode ser uma armadilha: se escolher pagar o IRS no final do ano (para evitar descontar do valor do recibo), esteja preparado para esvaziar o bolso mais tarde e não ser apanhado desprevenido com uma dívida às Finanças que não consegue pagar.
Uma última situação em que os recibos verdes são uma boa ideia é aquela em que quer combinar um trabalho por conta de outrem (com contrato normal de trabalho) com uma atividade paralela. Desde que o seu contrato de trabalho não o impeça (com alíneas de exclusividade), pode ter duas atividades profissionais em simultâneo e declarar o total dos rendimentos às Finanças.
DESVANTAGENS
A liberdade pode parecer aliciante, mas tem um lado B muito conhecido nos recibos verdes: como funcionam de forma pontual, não dão direito aos benefícios geralmente incluídos em contratos de trabalho regulares, como subsídios de férias e de Natal. Contas feitas, pode não compensar aquele plano de trocar o seu trabalho regular por uma atividade independente.
Outra desvantagem dos recibos verdes é que tem de controlar os seus próprios descontos. Parece uma desvantagem inofensiva, mas a verdade é que o obriga a estar sempre por dentro das regras e das novas leis que vão sendo publicadas. Sempre que uma tributação muda ou que são implementadas novas regras, tem mesmo de estar a par para não cometer erros inadvertidamente.
Além da obrigação de conhecer de cor todas as regras, o controlo das próprias contribuições exige algum conhecimento fiscal, já que não é fácil entender meandros do IVA, do IRS e dos descontos para a Segurança Social.
Uma última grande desvantagem a considerar também a ver com a própria natureza dos recibos verdes: como funcionam como declaração de trabalho pontual ou temporário, o Estado não assume que há um vínculo laboral duradouro entre as partes e, por isso, não o considera “desempregado” quando cessa a atividade. Na prática isto quer dizer que, se perder os trabalhos que declara, não vai ter direito a subsídio de desemprego nas mesmas condições que os cidadãos que trabalham por conta de outrem.
COMO EMITIR RECIBOS VERDES
Já lá vai o tempo em que os profissionais liberais compravam uns blocos de recibos destacáveis para preencher. Com a digitalização dos serviços públicos, basta um computador com ligação à Internet para que tudo fique como manda a lei. Em todo o caso, há uma série de passos que tem de cumprir:
- ABRIR ATIVIDADE
Antes de começar a passar os famosos recibos verdes, tem de dizer às Finanças que vai começar a trabalhar como independente. A isso chama-se “abrir atividade“.
Para abrir atividade basta ir ao Portal das Finanças e formalizar o início da atividade (Obter > Comprovativos > Atividade > Início de Atividade). O processo é muito simples e intuitivo, não tem campos muito complexos a preencher, mas obriga-o a registar-se com um CAE.
O CAE (Código de Atividade Económica) diz às Finanças exatamente que tipo de atividade exerce. Tenha em atenção que diferentes CAE podem ser sujeitos a níveis de tributação diferentes, pelo que convém escolher com atenção aquele que melhor se aplica à sua atividade.
Encontra a lista completa dos códigos CAE no site do INE.
- EMITIR OS RECIBOS VERDES
Uma vez formalmente iniciada a atividade, emitir os recibos é o mais fácil. Basta ir ao menu “recibos verdes eletrónicos” (Serviços > Obter > Recibos Verdes Eletrónicos) do Portal das Finanças e preencher ou confirmar os dados.
Aqui há um detalhe sobre os recibos verdes: como funcionam sempre para o mesmo emissor (ou seja, é sempre a mesma pessoa que os emite online), os dados pessoais vão ser automaticamente preenchidos tal como constam no registo das Finanças. Esta dinamização do sistema torna o processo mais rápido e simples de concretizar.
Depois de confirmar os seus dados pessoais, vai ter de preencher os dados do cliente (nome, NIF e morada), selecionar as opções de tributação correta e inserir o valor total que está a cobrar pelo serviço. Os cálculos finais (valores a descontar e a receber) também surgem automaticamente de acordo com as opções selecionadas nos campos anteriores.
Para finalizar o processo, clique no botão “emitir”. O documento fica registado nas Finanças e, se quiser, pode enviá-lo ao cliente (a opção “imprimir ecológico” faz download do recibo em formato PDF).
POSSO CANCELAR RECIBOS VERDES?
É possível cancelar recibos verdes que já emitiu. Basta fazer exatamente o mesmo percurso que faria se fosse emitir um recibo, mas, no momento em que o sistema lhe mostra uma lista dos recibos emitidos, pode abrir o que quer cancelar e selecionar a opção “cancelar” em cima, do lado direito. O cancelamento dos recibos tem efeito imediato.
COMO FUNCIONAM OS DESCONTOS?
Os trabalhadores independentes descontam IRS e Segurança Social como todos os outros, e é por isso que deve saber tudo sobre os recibos verdes: como funcionam e como se comportam do ponto de vista fiscal.
As taxas de descontos variam consoante os rendimentos declarados, tal como acontece com os trabalhadores por conta de outrem. No entanto, porque os trabalhadores independentes não têm uma remuneração fixa, o cálculo dos descontos tem por base 70% do valor médio de rendimentos declarados no ano anterior. Por escolha do profissional, este cálculo pode passar a ser trimestral em vez de anual, e também é possível definir um valor fixo a descontar nesse período (até 25% acima ou abaixo do valor real).
Lembre-se apenas que aquilo que desconta é o que define a sua carreira contributiva e, em última instância, os benefícios sociais a que tem direito – ou seja, se optar por descontar menos do que o valor real está a sacrificar o seu registo contributivo e, mais tarde, a base para cálculo de benefícios como a reforma será mais baixa e fará com que receba menos.
Além do IRS e da Segurança Social, os trabalhadores independentes devem considerar o regime de IVA a que possam estar sujeitos. As taxas de IVA estão definidas para cada atividade e o sistema do Portal das Finanças faz automaticamente o cálculo, mas há que considerar que, quando emite um recibo, está a dizer às Finanças que já recebeu do cliente e está pronto para pagar o IVA. Queremos com isto dizer que se emitir um recibo e depois o cliente demorar a pagar, vai ter de entregar dinheiro do seu bolso para saldar o IVA junto das Finanças, ficando no prejuízo.
PROTEÇÃO SOCIAL NOS RECIBOS VERDES
Fruto de alterações recentes à lei, os recibos verdes já dão acesso a alguns benefícios sociais, como a proteção na doença, no desemprego e na parentalidade.
Antes de começar a fazer as contas, deixe-nos apenas relembrar, mais uma vez, que a qualidade do benefício a que tem direito está diretamente ligada ao rendimento que declarou e aos descontos que fez: quanto mais descontar, mais vai receber em tempos de necessidade.
Para começar, uma boa novidade sobre os recibos verdes e como funcionam: em contraste com o que acontecia até há alguns meses, agora bastam 360 dias de rendimentos declarados para ter acesso a proteção no desemprego. As condições, claro, continuam a não ser tão boas como as que se aplicam aos trabalhadores por conta de outrem, mas já melhoram em relação ao que era prática há poucos anos.
Também os trabalhadores que gerem o seu próprio negócio têm motivos para sorrir: a proteção na inatividade pode ser acionada se o negócio apresentar 40% ou mais de quebra de volume.
Em caso de doença, os trabalhadores a recibos verdes têm direito a subsídio a partir do 10º dia de incapacidade para o trabalho, e o Estado prevê ainda um subsídio de assistência a filhos e netos.
PASSAR RECIBOS E TRABALHAR POR CONTA DE OUTREM
Se passa recibos verdes, mas mantém uma atividade por conta de outrem, saiba que a base de cálculo dos descontos é independente, ou seja, os descontos são calculados para cada tipo de atividade em separado e não para a soma total dos rendimentos.
Para os recibos verdes, há isenção de IRS até aos 2.444 euros mensais (5 vezes o IAS). Se passar este valor, a tributação é aplicada sobre a diferença do que auferiu – ou seja, se ganhar 2500 euros mensais tem de descontar na proporção dos 56 euros de diferença entre o seu rendimento e o limite de isenção.
RECIBOS VERDES OU ATO ISOLADO?
Também é um ponto importante sobre os recibos verdes: como funcionam para atividade independente irregular, podem ser dispensados quando exerce uma atividade pontual, isto é, quando só recebe aquele rendimento uma vez.
Para os casos em que só vai passar um recibo, a melhor opção é o Ato Isolado – emitido exatamente da mesma forma no Portal das Finanças, mas com uma tributação própria e com limite de um documento emitido por ano.
Saber tudo sobre os recibos verdes: como funcionam, como são tributados e como podem ser usados de forma vantajosa – é uma condição essencial para não perder dinheiro e, sobretudo, para não prejudicar a sua carreira contributiva. Mantenha-se informado e, se precisar, peça a ajuda de um contabilista para cumprir os requisitos fiscais, evitando calotes inesperados no futuro.
Fonte: e-konomista.pt, 21/11/2018