Se é trabalhador independente, o cálculo do IRS segue diversos passos, tal como nas outras categorias.
Vamos focar-nos nas dúvidas mais comuns com que se deparam os "recibos verdes" no regime simplificado.
Calcular o IRS do trabalhador independente pelas regras da Categoria B
Optando pelas regras da Categoria B, o rendimento tributável resulta da aplicação dos coeficientes do art.º 31.º do CIRS.
Passo 1: apuramento do rendimento tributável
Por tipo de atividade, os principais coeficientes aplicáveis, são os seguintes:
Coeficiente |
Atividade |
0,15 |
Venda de mercadorias e produtos, atividades de restauração e bebidas, atividades hoteleiras e similares |
0,75 |
atividades previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º (prestações de serviços, sobretudo) |
0,35 |
prestações de serviços não previstos nos pontos anteriores anteriores (alojamento local, por exemplo) |
0,95 |
rendimentos de contratos de cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual ou industrial |
0,30 |
subsídios ou subvenções não destinados à exploração |
0,50 |
rendimentos de alojamento local em áreas de contenção |
Para alguém da Categoria B, que presta serviços previstos na Tabela do art.º 151.º do CIRS, o coeficiente é 0,75.
Passo 2: apuramento das despesas e do rendimento coletável
A AT aceita que apenas 75% do rendimento seja tributado, se conseguir justificar despesas no valor de 15% desse rendimento. Ou seja, para isentar 25% do rendimento, 15% tem que ser respeitante a despesas comprovadas.
"Despesa comprovada" significa que tem toda a documentação de prova que pode, caso seja necessário, mostrar à AT. As despesas podem ser:
- a dedução específica automática de 4.104 euros ou, se superior, o valor das contribuições obrigatórias para regimes de proteção social;
- despesas com pessoal e encargos a título de remunerações, ordenados ou salários comunicados à AT;
- rendas de imóveis afetos à atividade independente se constarem de faturas ou outros documentos comunicados à AT;
- 1,5% do valor tributário dos imóveis afetos à atividade (4% do VPT se afetos a atividades hoteleiras ou de alojamento local);
- outras despesas da atividade, que constem do e-fatura (materiais de consumo corrente, eletricidade, água, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, rendas de locação financeira, quotizações para ordens e outras organizações representativas de categorias profissionais respeitantes ao sujeito passivo, deslocações, viagens e estadas do sujeito passivo e dos seus empregados);
- importações e aquisições intracomunitárias de bens e serviços relacionados com a atividade.
As rendas de imóveis, o valor tributário de imóveis e as outras despesas da atividade, serão consideradas pela AT tal como classificadas no e-fatura: ou totalmente afetas (a 100%) ou parcialmente afetas (apenas 25% do seu valor).
A partir do rendimento bruto (RB), o rendimento coletável (RC) vai resultar da fórmula:
RC = 75% RB + (15% RB - deduções totais comprovadas). O que pode acontecer:
- Se as deduções forem superiores a 15% RB, então os 15% RB estão justificados, a dedução é aceite, só é tributado em 75%: RC = 75% RB
- Se as deduções forem inferiores a 15% RB, vai ser tributado em mais de 75%, pelas despesas que não consegue justificar: RC = 75% RB + a diferença positiva (15% RB - deduções)
- Se as deduções forem iguais a 15% RB, está numa situação de indiferença: RC = 75% RB
Ou seja, a regra serve para a AT aceitar ou não a isenção de tributação de 25% do rendimento que declara. Não serve para aumentar essa isenção, mas serve para a diminuir.
Exemplo 1: rendimento bruto (RB) de 30.000 € e despesas de 500 €:
Apuramento do rendimento coletável (RC) |
Cálculos |
RB |
30.000 |
Rendimento tributável (RT) |
30.000 x 0,75 = 22.500 |
Despesas a justificar: 15% RB |
30.000 x 15% = 4.500 |
Dedução automática |
4.104 |
Deduções totais (DT) |
4.104 + 500 = 4.604 |
DT superiores a 15% RB |
4.604 > 4.500 |
15% RB justificados |
SIM |
RC = RT |
22.500 |
Exemplo 2: rendimento de 50.000 €, despesas de 1.000 €:
Apuramento do rendimento coletável (RC) |
Cálculos |
RB |
50.000 |
Rendimento tributável (RT) |
50.000 x 0,75 = 37.500 |
Despesas a justificar: 15% RB |
50.000 x 15% = 7.500 |
Dedução automática |
4.104 |
Deduções totais (DT) |
4.104 + 1.000 = 5.104 |
DT inferiores a 15% RB |
5.104 < 7.500 |
15% RB justificados |
NÃO: RT será agravado |
RC > RT |
37.500 + (7.500 - 5.104) = 39.896 |
Exemplo 3: rendimento de 27.360 €, sem despesas:
Apuramento do rendimento coletável (RC) |
Cálculos |
RB |
27.630 |
Rendimento tributável (RT) |
27.360 x 0,75 = 20.520 |
Despesas a justificar: 15% RB |
27.360 x 15% = 4.104 |
Dedução automática |
4.104 |
Deduções totais (DT) |
4.104 |
DT iguais a 15% RB |
4.104 = 4.104 |
15% RB justificados |
SIM: 4.104 suficientes |
RC = RT |
20.520 |
Esta é a situação de indiferença. Não adianta classificar / apresentar despesas no e-fatura. A dedução automática permite, sozinha, justificar os 15% do rendimento que a AT exige.
Uma fórmula matemática permite chegar à situação de indiferença, apresentar ou não apresentar despesas, para todos os casos: RB / 15% = 4.104, de onde, RB = 27.360 euros.
Exemplo 4: rendimento de 25.000 €, sem despesas:
Apuramento do rendimento coletável (RC) |
Cálculos |
RB |
25.000 |
Rendimento tributável (RT) |
25.000 x 0,75 = 18.750 |
Despesas a justificar: 15% RB |
25.000 x 15% = 3.750 |
Dedução automática |
4.104 |
Deduções totais (DT) |
4.104 |
DT superiores a 15% RB |
4.104 > 3.750 |
15% RB justificados |
SIM: 4.104 suficientes |
RC = RT |
18.750 |
Conclusões a retirar sobre rendimento coletável e despesas do regime simplificado (coeficientes 0,75 e 0,35):
- Rendimento bruto > 27.360 €, logo 15% x 27.360 > 4.104: precisa de despesas comprovadas no valor de, no mínimo, 15% RB - 4.104 para aproveitar a isenção de 25% (exemplo 1). Caso contrário, o rendimento a tributar será acrescido na parte dos 15% que não consegue justificar (exemplo 2).
- Rendimento bruto = 27.360 €, logo 15% x 27.360 = 4.104: os 15% estão justificados só com a dedução automática. Não precisa / não compensa, apresentar despesas (exemplo 3).
- Rendimento bruto < 27.360 €, logo 15% x 27.360 < 4.104: os 15% estão sempre justificados. Não precisa / não compensa, apresentar despesas (exemplo 4).
Passo 3: aplicação das taxas de IRS e apuramento da coleta total
Depois das deduções da Categoria B, o rendimento coletável entra na "mecânica do IRS".
Vamos agora percorrer as etapas utilizando os Escalões e taxas de IRS 2022 e dois exemplos simplificados para chegar à coleta total. Usamos as tabelas práticas de IRS.
Solteiro s/ dependentes |
Cálculos para a coleta total |
Rendimento coletável |
RC = 22.500 € |
Escalão de IRS |
+ 19.696 € até 25.076 € |
Taxa de IRS |
35% |
Parcela a abater |
2.565,21 € |
Coleta total |
22.500 x 35% - 2.565,21 = 5.309,79 € |
Nada mais havendo a considerar, por simplificação, a coleta total deste contribuinte, é de 5.309,79 €.
Vamos supor um trabalhador independente, com um rendimento coletável de 39.896 €.
É casado, sem dependentes e residente no Continente. O cônjuge é trabalhador por conta de outrem com um rendimento bruto de 25.000 €. Optaram pela tributação conjunta.
Casados (A e B) s/ dependentes |
Cálculos para a coleta total |
Rendimento coletável A |
39.896 € |
Rendimento coletável B |
25.000 € - 4.104 = 20.896 € |
Total rendimento p/ det. taxa IRS |
39.896 + 20.896 = 60.792 € |
Quociente familiar (2: trib. conjunta) |
60.792 ÷ 2 = 30.396 € |
Escalão de IRS |
+ 25.076 € até 36.757 € |
Taxa de IRS |
37% |
Parcela a abater |
3.066,79 € |
Coleta total (x2) |
2 x (30.396 x 37% - 3.066,79) = 16.359,46 € |
Se nada mais houvesse a considerar, a coleta total do casal seria de 16.359,46 €.
Note que, porque optaram pela tributação conjunta, o rendimento é dividido por 2 para obter a taxa de IRS e é novamente multiplicado por 2, para obter a coleta de IRS.
Passo 4: as deduções à coleta e o apuramento da coleta líquida
Quer no exemplo 1, quer no exemplo 2, há que abater agora as deduções à coleta de IRS. São as despesas dos membros do agregado. Do solteiro, no primeiro caso, e dos dois membros do casal, no segundo.
No caso do trabalhador independente, a repartição de despesas entre o anexo H e o anexo B é feita da seguinte forma:
- no anexo H são consideradas:as despesas que selecionou no portal e-fatura, como "não afetas à atividade" e 75% das despesas que selecionou como "parcialmente afetas à atividade";
- no anexo B são consideradas: as "totalmente afetas à atividade" e 25% das despesas "parcialmente afetas".
Para quem opta pelas regras de tributação da Categoria B, o quadro de despesas a preencher é o 17, do anexo B.
No nosso exemplo de trabalhadores casados, o cônjuge da Categoria A, terá todas as suas despesas consideradas no anexo H.
Após abater as deduções à coleta, chegamos à coleta líquida, o valor de imposto efetivamente devido ao Estado.
Passo 5: pagamentos por conta e retenções na fonte e apuramento do valor a pagar ou a receber do Estado
Aqui chegados, há que comparar o imposto que se deve ao Estado, a coleta líquida, com o valor do imposto que lhe foi adiantado em 2022 (o ano a que se referem os rendimentos).
A retenção na fonte e/ou os pagamentos por conta, feitos ao Estado em 2022, contam como adiantamento.
O acerto de contas é feito com a declaração de IRS que entrega em 2023
Assim:
- valor das retenções e pagamentos por conta > coleta liquida: adiantou mais dinheiro ao Estado do que o valor de imposto devido, vai ter um reembolso de IRS;
- valor das retenções e pagamentos por conta < coleta liquida: vai ter que pagar ao Estado a parcela de imposto em falta, vai ter IRS a liquidar.
Calcular o IRS do trabalhador independente pelas regras de tributação da Categoria A
Se o trabalhador independente obteve rendimentos de uma única entidade em determinado ano (por exemplo em 2022), pode optar pelas regras de tributação da Categoria A, quando entregar a sua declaração de IRS em 2023.
Neste caso, não há um coeficiente a aplicar, é 100% do rendimento bruto que entra "na mecânica do IRS":
- ao rendimento global, é aplicada a dedução específica da Categoria A (4.104 euros ou o valor das contribuições para regimes de proteção social, se superior);
- não havendo rendimentos de anos anteriores ou rendimentos isentos, o rendimento a considerar para aplicação da taxa de imposto será: rendimento bruto - deduções específicas.
- a partir daqui, os passos de cálculo de imposto são os mesmos que os descritos na secção anterior.
As deduções para quem opta pelas regras da Categoria A são as que constam do quadro 7 do Anexo B.
Para além das contribuições para regimes de proteção social, é ainda possível deduzir quotizações para ordens profissionais, despesas de valorização profissional ou quotizações sindicais relacionadas com a atividade, entre outras.
Note que ao optar pelas regras de tributação da Categoria A, não deixa de ser trabalhador independente, nem deixa de ter que apresentar o anexo B preenchido, como titular de rendimentos da Categoria B. Apenas opta por outras regras de tributação.
O facto de o rendimento a tributar partir de um patamar menor, nas regras da Categoria B (75% ou 65%, conforme o coeficiente seja 0,75 ou 0,35), pode ser vantajoso. No entanto, não é assim tão linear, num contribuinte casado, quer sejam ambos da Categoria B ou não.
A melhor opção é sempre simular as duas situações. Não vai encontrar um simulador com todos os cenários e perfis de contribuintes contemplados, com exceção do da própria AT.
Como simular a tributação pelas regras da Categoria A ou da Categoria B?
Só pode optar pela regras da Categoria A, quem obteve rendimentos de uma única entidade.
Em caso de dúvidas, contribuintes solteiros ou casados poderão simular e concluir pela opção mais benéfica no seu caso concreto, ser tributado pelas regras da Categoria A ou B
Quando está a simular a sua declaração, a lógica será sempre: preencher tudo - validar - simular - gravar. Depois, alterar preenchimento - validar - simular - gravar (ou gravar-simular) tantas vezes quantas quiser. Tecla final, depois de todas as decisões tomadas: entregar.
- a tecla validar permite corrigir os erros e alertas que vão surgindo pelo caminho. Corrija e torne a validar até que a mensagem seja "sem erros". Simule e grave.
- sempre que simular, surge-lhe uma demonstração de liquidação. Faça um prt screen ou imprima (click lado direito do rato). Tome nota da simulação em que está. Isto é válido para todas as simulações que pode fazer.
- para imprimir a própria declaração selecione no canto superior direito do écran, "Imprimir".
- quando grava, a sua declaração vai para os downloads do seu computador, em versão XML, e está identificada assim: decl-m3-irs-2022-NIF1-NIF2; à medida que grava, como o nome do ficheiro é sempre igual, ele assume a ordem por que são gravadas, 1, 2, 3, 4...n.
- na tributação separada ou de solteiro, o nome da declaração terá apenas o NIF do próprio.
Se estiver muito tempo no portal, ou abandonar o computador e depois retomar, o máximo que pode acontecer é voltar a ter que inserir os NIF e as credencias. Faça assim:
- saia do portal e entre novamente;
- selecione IRS - Entregar Declaração - Preencher declaração - ano 2021 - Declaração pré-gravada num ficheiro - vá ao seu computador "buscá-la" - o sistema diz-lhe "leitura do ficheiro com sucesso" e a sua declaração estará lá como se não tivesse saído do portal.
Vamos agora optar simular as regras da Categoria A e, depois, as regras da Categoria B.
- selecione o anexo B e preencha os dados até ao quadro 5;
- no quadro 5 do anexo B: selecione o campo 01(rendimentos auferidos de uma única entidade) e o campo 03 (opta pelas regras da Categoria A);
- preencha o quadro 7 do anexo B e os demais quadros do anexo B aplicáveis, exceto o quadro 17;
- valide e corrija eventuais erros detetados pelo sistema, de acordo com as instruções que recebe;
- grave a declaração e simule (ícones azuis no canto superior direito do écran);
- a declaração fica nos downloads do seu computador;
- volte ao anexo B e, no quadro 5 do anexo B, selecione o campo 01 e o campo 04;
- não preenche o quadro 7, preenche o quadro 17e os demais quadros aplicáveis;
- valide, corrija os erros, grave e simule;
- compare as duas simulações que tem neste momento e escolha a mais vantajosa (ou menos penalizadora);
- volte ao anexo B e mantenha ou altere o preenchimento de acordo com a sua decisão;
- se pretende voltar atrás (ficar com as regras da Categoria A e não ter que preencher de novo), saia do portal e volte a entrar;
- escolha entregar declaração - ano 2022 - entregar declaração em ficheiro pré-gravado;
- o sistema dá-lhe a possibilidade de ir ao seu computador "buscar" a declaração (não se engane a escolher a declaração);
- o sistema emite a mensagem "leitura do ficheiro com sucesso", a sua declaração estará aberta no sistema;
- valide novamente, grave e simule para ter a certeza que é essa a declaração escolhida (o valor apurado tem que ser o mesmo);
- faça "entregar", no ícone verde.
Simulou-se exclusivamente a tributação pelas duas regras possíveis. Mas, pode simular tudo o que quiser.
Nos contribuintes casados, também é possível simular a tributação conjunta ou separada.
Este é um artigo orientador e de alerta sobre algumas questões, mas não é exaustivo. Em caso de duvidas contacte a AT ou solicite apoio especializado.
Fonte: economias, 20/3/2023