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Dúvidas sobre trabalho esclarecidas de uma vez por todas

in Notícias Gerais
Criado em 28 agosto 2017

Nuno Cerejeira Namora, especialista em Direito do Trabalho, esclarece algumas das dúvidas mais frequentes dos trabalhadores portugueses.

Há um número máximo de horas legais que se pode trabalhar por semana?

“O período normal de trabalho está hoje fixado, como máximo, para a generalidade dos trabalhadores, em 8 horas por dia e 40 horas por semana. Este período de 8 horas de trabalho diário constitui uma reivindicação laboral que data já do século passado, concretizado no adágio inglês: “eight hours to work, eight hours to play, eight hours to sleep.”.

Situações em que pode haver um acréscimo do período de trabalho:

i) Tolerância de 15 minutos: Existe uma tolerância de 15 minutos para transações, operações ou outras tarefas começadas e não acabadas na hora estabelecida para o termo do período normal de trabalho diário, tendo tal tolerância caráter excecional e devendo o acréscimo de trabalho ser pago ao perfazer 4 horas ou no termo do ano civil.

ii) Trabalhadores que prestem trabalho exclusivamente em dias de descanso semanal da generalidade dos trabalhadores da empresa ou estabelecimento: O período normal de trabalho deste conjunto de trabalhadores pode ser aumentado até 4 horas diárias, sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT).

Assim, os trabalhadores que forem contratados para trabalhar ao sábado e domingo – dias de descanso dos demais – podem ter um período normal de trabalho diário de 12 horas.

iii) Adaptabilidade: O período normal de trabalho pode sofrer aumentos e reduções de valor ao abrigo do regime da adaptabilidade.

A adaptabilidade pode ser instituída por um IRCT ou um acordo ente empregador e trabalhadores.

a) Adaptabilidade prevista em IRCT:

Estando a adaptabilidade prevista em IRCT, o período normal de trabalho diário pode ser aumentado em 4 horas, podendo atingir 12 horas diárias e até 60 horas semanais, desde que, num período de referência, que não pode ultrapassar 12 meses, o período normal de trabalho, em média, não exceda as 8 horas diárias e as 40 horas semanais (ou o período normal de trabalho em causa se for inferior).

Exemplificando, num dado mês de acréscimo de trabalho, o trabalhador pode prestar trabalho num período de 12 horas diárias e 60 horas semanais, num total de 240 horas e, no mês seguinte, o período de trabalho ser reduzido para 4 horas diárias e 20 semanais, num total de 80 horas, de maneira a que no fim dos 2 meses (período de referência), a média ficaria em 8 horas por dia e 40 por semana.

b) Adaptabilidade individual:

Na adaptabilidade individual o período normal de trabalho pode ser aumentado em 2 horas, podendo atingir 10 horas diárias e 50 horas por semana em períodos de maior atividade, devendo esse acréscimo ser compensado nos momentos de menor atividade, de forma a que, em média, o período de trabalho de referência não exceda as 8 horas diárias e as 40 horas semanais.

Neste caso, a redução do período normal diário não pode ser inferior a 2 horas, apesar de ser lícito acordar a redução da semana de trabalho em dias ou meios-dias.

c) Adaptabilidade grupal:

Com a instituição da adaptabilidade grupal permite-se que a adaptabilidade prevista em convenção coletiva possa aplicar-se a trabalhadores não filiados no sindicato outorgante. Por seu turno, a adaptabilidade individual pode aplicar-se a trabalhadores que a tivessem rejeitado, desde que a maioria a tenha aceite.

  1. iv) Banco de horas: A diferença entre o regime da adaptabilidade e o banco de horas prende-se com o facto de a compensação do acréscimo do tempo de trabalho poder ser feita mediante a redução do tempo de trabalho, o aumento do período de férias ou o pagamento em dinheiro.

Banco de horas por regulamentação coletiva: Por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho o período normal de trabalho por ser aumentado até 4 horas diárias, podendo atingir as 60 horas semanais, tendo o acréscimo por limite as 200 horas por ano.

 Banco de horas individual:

Por acordo entre o empregador e o trabalhador o período normal de trabalho pode ser aumentado até 2 horas diárias, podendo atingir as 50 horas semanais, e as 150 horas anuais.

Exemplo prático:

A. laborava das 17,30 horas à 1 da manhã, seis dias por semana, o que perfazia assim o cômputo de 45 horas semanais. Estipulando o seu contrato que o número de horas de trabalho semanal ascendia às 40 horas, entendia o trabalhador que prestava cinco horas de trabalho suplementar por semana. Por seu turno, a entidade empregadora discordava desse entendimento, por considerar que o período de uma hora que o trabalhador tinha para jantar não era considerado como tempo de trabalho.

Assim, entendia que aquele apenas trabalhava 6,5 horas por dia e 39 horas por semana.Não concordando com tal entendimento o trabalhador intentou a competente ação judicial para pagamento dos créditos devidos pelo trabalho suplementar prestado.

Nesse seguimento, veio o Tribunal decidir que a hora em que o trabalhador efetuava a sua refeição de jantar, por se encontrar nas instalações da entidade empregadora e assim na sua disponibilidade, devia ser considerada como tempo de trabalho.

Consequentemente, decidiu no sentido de que o trabalhador prestava cinco horas de trabalho suplementar por semana, tendo direito ao pagamento do mesmo nos termos legalmente consagrados, devendo acrescer a tal valor os juros de mora que se vencessem até ao seu pagamento efetivo.

O salário mínimo é obrigatório ou as empresas podem oferecer menos? É garantida aos trabalhadores uma retribuição mínima mensal que corresponde à retribuição base, na qual não se incluem subsídios, gratificações, prémios, entre outros. O pagamento desta retribuição mínima mensal é obrigatório. A sua violação consubstancia a prática de uma contra ordenação muito grave e a obrigação de pagamento da respetiva coima. Alguns autores defendem que este comportamento deveria ser criminalizado.

Exemplo Prático:

A., entidade empregadora, em 2010, apenas pagava aos seus trabalhadores a título de retribuição o montante de 400 euros. Acontece que em 2010 o valor do salário mínimo ascendia aos 475 euros.

Com efeito, a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) recebeu uma denúncia anónima sobre o sucedido. Em virtude disso realizou uma inspeção à A., no decorrer da qual detetou a violação da obrigação de pagamento do salário mínimo nacional.

Em consequência, iniciou o respetivo procedimento contra ordenacional, o qual resultou na aplicação de uma coima que rondava cerca de 10 mil euros.

Os dias à experiência podem não ser remunerados?

Não. É uma pratica empresarial totalmente errada e proibida. O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua intenção. Durante este período o trabalhador mantém todos os direitos legalmente consagrados e estabelecidos no contrato de trabalho, nomeadamente no que respeita à retribuição.

Exemplo prático:

No contrato de trabalho celebrado entre a entidade patronal A e o funcionário B foi estipulado um período experimental de 90 dias. Acontece que decorridos 60 dias, A disse a B que não contava mais com a prestação dos seus serviços, mais alegando que lhe tinha causado prejuízos e que, por esse motivo, não tinha que lhe pagar qualquer retribuição.

Por conseguinte, B intentou a competente ação judicial para obter a condenação de A no pagamento da retribuição correspondente aos dias de trabalho prestados, acrescida dos respetivos juros de mora.

Com efeito, o tribunal veio a decidir que era devida ao trabalhador a retribuição correspondente aos dias de trabalho prestado, a qual correspondia, na falta de indicação escrita em sentido contrário, à retribuição mínima estabelecida no IRCT aplicável para a categoria profissional assumida pelo trabalhador.

É legal o trabalho sem salário, isto é, baseado apenas em comissões sem qualquer mínimo garantido?

Não! Dispõe o Código do Trabalho que a retribuição pode ser certa, variável ou mista.

A retribuição certa é aquela que é calculada em função do tempo de trabalho, sendo inclusive um importante indício da sua existência.A retribuição variável é que é, por regra, calculada em função dos resultados de trabalho. Pode por exemplo ser estabelecida em virtude das vendas realizadas pelo trabalhador.

A retribuição mista é integrada por uma parcela fixa a que acresce uma variável em função dos resultados atingidos. Com a consagração da modalidade de retribuição variável o legislador laboral pretendeu incentivar o aumento dos níveis de produtividade dos trabalhadores.Ao abrigo do exposto, pode concluir-se que é possível existir uma retribuição constituída apenas por comissões, sem ser estipulado qualquer salário base.

Contudo, existe sempre um mínimo garantido assegurado, o correspondente à retribuição mínima mensal garantida.Assim, ainda que seja estipulado que a retribuição do trabalhador será estipulada em função das comissões auferidas, aquele terá sempre que ascender ao mínimo dos 557 euros (retribuição mínima mensal garantida).

Concretizando, existe sempre um montante certo na retribuição variável, a retribuição mínima garantida, de forma a ser respeitado o princípio constitucional do salário mínimo. Exemplo prático: A estabeleceu com B, empresa de telecomunicações, um contrato de trabalho.Nos termos do mesmo, a retribuição de A seria estabelecida em função das vendas realizadas.Assim, a sua retribuição seria integrada somente por comissões.

Sucede que em determinados meses a retribuição auferida foi inferior ao mínimo obrigatório legalmente estabelecido, que era de 485 euros à data dos factos. Em virtude do sucedido, A intentou a competente ação judicial para cobrança dos créditos em dívida.

No seguimento da mesma, veio a entidade empregadora ser condenada no pagamento das diferenças salariais existentes, acrescidas dos respetivos juros de mora.

Além do mais, foi ainda instaurado o competente procedimento contra ordenacional derivado do não pagamento da retribuição mínima mensal garantida.

Deve-se aceitar trabalhar sem contrato assinado?

Por regra, o contrato de trabalho não exige a observância de forma escrita. Até poderá constituir uma vantagem para o trabalhador pois, ultrapassado o período experimental passa a estar contratado sem termo ou por tempo indeterminado.

Não obstante a celebração do contrato escrito colocar o trabalhador numa posição de maior proteção, o certo é que na maior parte dos casos o empregador não se encontra obrigado à elaboração do mesmo.

Esta regra da liberdade de forma é apenas excecionada em certos regimes especiais de contrato de trabalho, nomeadamente:

a) Contrato de trabalho a termo;

b) Contrato de trabalho a tempo parcial;

c) Contrato de trabalho temporário e contrato de utilização de trabalho temporário;

d) Contrato de trabalho com estrangeiros;

e) Contrato de trabalho a bordo;

f) Contrato de trabalho com profissionais desportistas.

Exemplo prático:

A foi contratado a tempo completo em fevereiro de 2002, exercendo assim funções durante oito horas por dia e 40 horas por semana. Sucede que, em março de 2007 começou a exercer apenas quatro horas por dia e 20 horas por semana.

Contudo, esta alteração não foi reduzida a escrito. Por conseguinte, no âmbito de uma ação judicial intentada pelo trabalhador contra a entidade empregadora, veio o tribunal decidir que a prova de que a partir de março de 2007 o trabalhador laborou em regime de trabalho a tempo parcial apenas poderia ser obtida com o aditamento escrito ao contrato de onde constasse essa alteração.

Não existindo o mesmo, considerou-se que o trabalhador sempre laborou a tempo completo.Consequentemente, a entidade empregadora foi obrigada a pagar ao trabalhador as respetivas diferenças salariais em falta.Assim, a entidade empregadora foi obrigada a pagar ao trabalhador a diferença entre o que este efetivamente recebeu durante o tempo que laborou a tempo parcial e o que deveria ter recebido, uma vez que se considerou que nunca existiu qualquer alteração ao contrato e que o trabalhador sempre exerceu funções a tempo completo.

O trabalhador é obrigado a aceitar fazer horas extra?

Sim. O trabalhador é obrigado a realizar a prestação de trabalho suplementar, salvo quando, havendo motivos atendíveis, expressamente solicite a sua dispensa. Não obstante o exposto, o trabalho suplementar só pode ser exigido quando a empresa tenha de fazer face a acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de trabalhador.

O trabalho suplementar pode ainda ser prestado em caso de força maior ou quando seja indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade. Tratam-se pois de conceitos bastantes abertos e vagos, neles se enquadrando quase sempre os empregadores.

Exemplo prático:

O trabalhador A foi contratado pela entidade patronal B para exercer as funções de motorista.Em determinada data recebeu uma ordem do seu superior hierárquico, no sentido de realizar a entrega de uma encomenda em Évora.

Sucede que, o trabalhador recusou o cumprimento da mesma com a justificação de que já era muito tarde e que iria regressar fora de horas.Em virtude disso, a entrega da encomenda apenas pode ser realizada no dia seguinte.Consequentemente, o cliente da entidade empregadora informou esta de que como estavam à espera que a encomenda fosse entregue em determinada data, e esta só foi entregue no dia seguinte, todos os custos inerentes a esse atraso lhe seriam imputados.

Além do mais, esse cliente não mais recorreu aos serviços da entidade empregadora.Foi instaurado procedimento disciplinar contra o trabalhador, tendo o mesmo sido despedido.

Nesse seguimento, veio interpor uma ação judicial contra a entidade empregadora, peticionado que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento.

Por conseguinte, o Tribunal da Relação do Porto decidiu que não basta ao trabalhador invocar que o trabalho suplementar não lhe era pago e que aquele serviço seria mais um que não seria pago.Não tendo feito essa prova, considerou o tribunal que a recusa da tarefa pelo trabalhador, ainda que pudesse consubstanciar a prática de trabalho suplementar, constitui justa causa para o seu despedimento.

Fonte: dinheirovivo.pt, 27/8/2017